Educação Transmídia

O termo multimídia refere-se à integração de linguagens em uma mesma peça, como uma página de internet que combina texto, ilustrações, vídeos e arquivos de áudio. Quando os conteúdos são distribuídos por diferentes plataformas, temos situações que podem ser consideradas crossmídia ou transmídia. Jenkins (2010) compara as diferentes estratégias em relação ao papel de estudantes: em uma situação multimídia, o leitor só precisa clicar e explorar o conteúdo que vem até ele, enquanto na estratégia transmídia os alunos precisam buscar ativamente os conteúdos por diversas plataformas, tendo ainda que avaliar e integrar informações.

Por seu caráter multidisciplinar e em permanente transformação, o conceito de estratégia transmídia é um objeto de estudo difícil de situar academicamente (Villa-Montoya e Montoya-Bermúdez, 2020). O termo crossmídia, principalmente, tem uso variado, com diferentes acepções. Nos anos 1990, o termo era utilizado principalmente em relação ao marketing e à publicidade (Finger, 2012), como referência a qualquer estratégia que envolvesse mais de uma plataforma. Hoje, o termo se refere à disseminação do mesmo conteúdo em diversos meios, aumentando seu alcance (Antikainen, Kangas e Vainikainen, 2004; Montanaro, 2016; Finger, 2012).

Em se tratando de educação, Fisch (2016) propõe o termo “aprendizagem cross-plataforma” para nomear a aprendizagem que combina plataformas múltiplas abordando o mesmo conceito educacional e oferecendo diferentes pontos de entrada.

Enquanto as estratégias crossmídia prezam pela disseminação, as transmídia privilegiam a complementação, com cada meio contando uma parte da história e envolvendo o público de diferentes maneiras (Finger, 2012; Dudacek, 2015). Segundo Jenkins (2009a), narrativa transmídia é uma “história que se desenrola em múltiplas plataformas de mídia, cada uma delas contribuindo de forma distinta para nossa compreensão do universo” (p. 384), aproveitando aspectos específicos de cada meio e com cada ponto de acesso funcionando, de forma autônoma, como uma porta de entrada.

A utilização de várias plataformas não é, em si mesma, suficiente para obter os benefícios de uma educação transmídia. É preciso projetar a experiência de aprendizagem de modo a aproveitar os aspectos específicos de cada meio, de forma complementar (Fisch, 2016). Como parte de uma estratégia comum, os diferentes conteúdos devem ter consistência e coerência para que o público possa seguir as narrativas, mas com cada meio adicionando valor de forma particular para a história, e não apenas a reproduzindo (Villa-Montoya e Montoya-Bermúdez, 2020). Pence (2012) afirma que, para educadores, uma definição útil de transmídia deve enfatizar a interação do público (no caso, estudantes) com a narrativa. Considerando isto, ele identifica dois tipos de transmídia: fechada, quando há uma experiência unificada, em várias plataformas, criada por um indivíduo ou um grupo; e aberta, quando uma narrativa é adaptada pelo público com a criação de visões entrelaçadas, mas independentes entre si e sem o controle de um único autor. Enquanto a primeira é, segundo Pence, típica da publicidade, a segunda é projetada para ser incompleta, contando com interação própria da cultura participativa. Jenkins (2010) adaptou sete princípios, que havia listado para narrativas transmídia, para a educação:

Propagabilidade e aprofundamento. A primeira refere-se ao processo de buscar informações em diferentes meios, enquanto o segundo é a capacidade de se aprofundar em algo. A boa prática educacional inclui as duas situações.

Continuidade e multiplicidade. A continuidade mantém uma história específica, que foi autorizada e classificada como definitiva, como algumas referências bibliográficas consideradas intocáveis. Já a multiplicidade lida com múltiplas versões, como a proposição de cenários alternativos para fatos históricos.

Imersão e extração. A primeira envolve a utilização de mundos virtuais, como a simulação de diferentes ambientes, enquanto a segunda aborda o uso de artefatos na sala de aula, como objetos relacionados ao tema tratado.

Construção de mundos. Narrativas podem incluir seus próprios espaços, não apenas geográficos, mas também culturais, com rituais, vestimentas e linguagem particulares. O trabalho com um conteúdo histórico, por exemplo, pode ir além da discussão de eventos e datas, e incluir a culinária, com o preparo de alimentos típicos da época e do local, contribuindo assim para uma compreensão mais ampla do assunto.

Serialidade. Este princípio refere-se à prática, comum na indústria do entretenimento, de dividir narrativas em capítulos, com valor próprio, mas que motivam o público a continuar acompanhando. Unidades de aprendizagem, como aulas e módulos, podem ser organizados de forma a semelhante à ficção seriada, com ganchos e arcos narrativos.

Subjetividade. Trata-se de abordar o mesmo evento por diferentes perspectivas, como, por exemplo, contar guerras pelo lado dos vencidos, de modo a quebrar parcialidades históricas.

Performance. É aquilo que atrai o público e o mantém interessado. Fatores institucionais, como a cobrança de presença, fazem com que os alunos estejam na sala de aula, mas é preciso motivação para que eles de fato participem da experiência de aprendizagem.


Cultura participativa

A circulação de conteúdo por diferentes tipos de mídia depende da participação do público, de forma engajada e expressiva, no que Jenkins (2009a) chama de cultura participativa. Formas de participação incluem afiliações, que são associações formais ou informais a uma comunidade; expressão, que é a produção criativa, como em remixes e edições de vídeos; resolução colaborativa de problemas, quando há trabalho em equipes para completar tarefas; e a circulação, estabelecendo fluxos midiáticos de conteúdo.

Hoje, a separação entre produtores e consumidores de mídia não é mais tão clara quanto em circunstâncias de distribuição de conteúdo em massa. Embora corporações midiáticas e seus atores ainda mantenham um papel de poder, o público pode agora exercer também a função de produção e circulação de conteúdo.

Quando público é parte da criação e da circulação de conteúdo, ele não é um mero consumidor. A combinação de produção e consumo dos prossumidores (prosumers, Toffler, 1980) e produsuários (produsers, Bruns 2006, 2008) já era apontada por Décio Pignatari em 1969:

É tempo de PRODUSSUMO. O estudante está para a universidade como o operário para a fábrica. O estudante é o operário da informação. Os estudantes repetem na superestrutura os modelos das lutas operárias infra-estruturais do passado. PRODUSSUMO. O mundo do consumo substituído pelo mundo da informação, onde se travarão as grandes lutas. (Pignatari, 2004, p. 31)

É importante notar que as condições de participação do público variam, considerando aspectos como habilidades e condições econômicas e sociais, além de, é claro, interesses. Enquanto algumas pessoas interagem com narrativas, de diferentes maneiras, outras mantêm-se como espectadoras passivas.


Media literacy

Martín-Barbero (2021) lista três dimensões da educação: a transmissão da herança cultural, a capacitação para o mercado de trabalho e a formação de cidadãos. Desta última, faz parte uma educação para as mídias que inclua o consumo e a produção conscientes de conteúdos — a media literacy. Segundo o autor, para a participação crítica e criativa na comunicação cidadã, é essencial “decifrar a multiplicidade de discursos que articula/disfarça a imagem, a distinguir o que se fala do que se diz, o que há de sentido na incessante proliferação de signos que mobiliza a informação” (p. 56).

O termo tem diversas traduções para nosso idioma — letramento midiático, alfabetização midiática, educação para os meios, mídia-educação, leitura crítica dos meios — mas não há um consenso sobre qual devemos usar, talvez pelo conceito abrangente de literacy, que pode ser compreendido tanto como o conhecimento que pode ser adquirido e aplicado, quanto como o ato de aprender. Nesse sentido, media literacy pode ser entendida tanto como o conjunto de competências necessárias para lidar com ambientes midiáticos, quanto como o processo de formação dessas competências (Scolari, Rodrigues e Masanet, 2019). O termo também envolve a diferenciação entre educação para as mídias, formando a capacidade de lidar de maneira crítica com as mensagens midiática, e com as mídias, ou seja, usando a mídia como ferramenta no contexto educacional (Scolari, Rodrigues e Masanet, 2019).

O Aspen Institute, em seu encontro de 1992, definiu media literacy como a habilidade de acessar, analisar, avaliar e produzir comunicação em uma variedade de formas (Aufderheide, 1993). Esta definição vem sendo expandida para incluir aspectos como compreensão, consciência, reflexão e participação (Scheibe e Rogow, 2012). Já o Center for Media Literacy define como “um enfoque de educação para o século XXI”, que “conduz à compreensão do papel que exercem os meios na sociedade bem como as competências essenciais de indagação e autoexpressão necessárias para os cidadãos de uma democracia” (Thoman e Jolls, 2011, p. 21).

No contexto da cultura participativa, o letramento midiático precisa considerar habilidades específicas para a atuação como prossumidor na criação e na circulação colaborativa de conteúdo. Fala-se então de letramento transmídia, com redes digitais e experiências interativas como aspectos centrais, e habilidades que se aplicam no contexto da cultura participativa (Scolari, 2018).

O uso das mídias, por si só, não garante o desenvolvimento destas habilidades. Os que mais transitam nos meios — e mesmo os que participam ativamente através de criação e disseminação — não são necessariamente os mais preparados para fazê-lo de forma consciente e crítica. Buckingham (2018) aponta para a necessidade de um processo sistemático de estudo, destacando o papel das escolas como instituições essenciais para isso.

A educação transmídia deve incluir a educação para as mídias, sobre as mídias e com as mídias. Ou seja, preparar os alunos como cidadãos, para que participem conscientemente e criticamente da circulação de mensagens midiáticas; introduzir e problematizar questões teóricas e técnicas sobre as mídias; e utilizar a tecnologia como instrumento para a aprendizagem de qualquer tema.

*** Esse texto é trecho do artigo Notas para uma educação transmídia.
>veja o artigo completo.


Referências

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